Lara Franco







Perversidade sonora

A incerteza que te dou é exacta. Tem dentro dos dedos a felicidade de deslizar sobre a tua superfície monstruosamente densa e imensurável. Tem na ponta da língua o desejo da maravilhosa surpresa destroçada. No desequilíbrio da perversidade dos teus olhos, as sobras de voz que te deixo não passam de gemidos. São sinais da cedência de passagem que o meu corpo rasga contra o grito, pelas noites obscuras e imprevisíveis, no limite do vazio a que me ofereces. Já te contei que a violência que existe, por entre a luz dos candeeiros de rua, quando o teu corpo me encontra, me obriga a dar-te as palavras às quais não sei chegar. Mas de nada serve dizer-te que quero modelar o mundo, encher os espaços de silêncio e suor para descansar depois contigo. Tenho fome, tanta fome de que me mereças, na construção da pele que depois de ti nunca mais será a mesma. Porque o meu corpo só se despe ao som exacto da mão que o torna mais vivo. E por isso hoje vou sacudir-te, mesmo sem saber se é isso que quero. Só porque preciso de te ver de copo sobre a mesa, lá em baixo. Pelo meio da confusão, enquanto tu sabes exactamente onde estás, eu canto para te perder no espaço. Para que morras tu, hoje, por baixo da minha sombra fria. Preciso deste palco.



Texto : Lara Franco
Fotografia : Estelle Valente

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Sofia Cunha


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INÚTIL

Segura-me inútil, assim tombada de tudo e de nada.
Segura-me, inútil!
Segura-me ainda que de nada te sirva.
Somos iguais, tu e eu, não vês?
Abraça com força o inútil de mim.
Larga o resto que não sobra.
Não há que temer.
Deixa ao medo o nada que resta do que seguras,
é tão pouco o que te confio.
Não pode ser assim tão difícil,
um quase nada de gente,
levezinho.
Não há Cerélac capaz de engordar a gente que não sou.
Nasceu assim o bébé,
enfezado.
Nem com papas lá vai.
É só,
         atirar ao ar e voltar a agarrar
         atirar ao ar e voltar a agarrar
         atirar ao ar e voltar a agarrar....
         Só isso.
Vais ver como ri de felicidade,
ou lá do que riem os seres levezinhos...
É só isso que quer,
que o segures.
Nem que o atires,
que o segures.
Mas se para isso tiver de voar,
não se importa,
fecha os olhos com força e quando voltar a olhar,
já ri,
seguro.
Segura-o inútil, assim tombado no ar,
de cada vez que voa,
de cada vez que ri.
Segura-o inútil, assim tombado de tudo e de nada.
Inútil?
Não... levezinho, apenas.
Lembra-te,
                  atirar ao ar e voltar a agarrar
                  atirar ao ar e voltar a agarrar
                  atirar ao ar e voltar a agarrar....
Repara como ri.
Que importa se de felicidade ou se de outra fantasia qualquer?
Segura-me, inútil!
Ri-te, inútil!
Aproveita se te faço útil.

Texto : Sofia Cunha
Fotografia : Estelle Valente

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